Júlio Pinheiro
Conselheiro do TCE-AM e criador da primeira Ouvidoria Ambiental dos Tribunais de Contas do Brasil.
Hoje, muito se discute sobre a competência dos Tribunais de Contas para atuar no Controle Ambiental Preventivo. O TCE-AM foi um dos precursores dessa prática, a partir de 2010. Percebemos a importância de adotarmos regras de “accountability” (responsabilização) do que possuímos nos nossos biomas, quer seja o que está preservado, quer pelo que já foi destruído, ao longo de décadas de descasos, com esse nosso patrimônio. Para tanto, faremos nessas linhas, algumas reflexões para que possamos indicar um caminho mínimo de atuação das nossas Instituições de Controle.
Inicialmente, essas observações têm guarida e resposta no artigo 225 da CF, sendo este o grande guarda-chuvas, que nos garante as nossas ações de vigilância preventiva, enquanto parte do poder público, para a real proteção de que esse nosso patrimônio carece, com vistas a garantir a sobrevida das presentes e futuras gerações.
Ao mesmo tempo, o artigo 70 da mesma Carta Cidadã nos conduz aos diversos tipos de fiscalização que devemos realizar enquanto instituições de controle (preventivo preferencialmente). Refiro-me à contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, não havendo distinção de qualquer natureza quanto à importância desses tipos de fiscalização a serem realizadas pelos TCs. E destacamos a fiscalização patrimonial, remetida aos maiores patrimônios que possuímos para a garantia da vida no planeta, quais sejam, a Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira, dentre outros.
Todos são patrimônios nacionais. Daí, reside a importância dessa preocupação que as Cortes de Contas devem ter para a preservação do meio ambiente. Isso pode acontecer desde o nascedouro das licenças ambientais, passando pela fiscalização concomitante a todos os atos dos nossos jurisdicionados. Um exemplo disso, está nas licenças ambientais concedidas e que precisam ter acompanhamento e fiscalização de nossa parte, por se tratarem de atos administrativos discricionários da autoridade ambiental que as emite necessitam do nosso acompanhamento e controle quanto aos critérios de legalidade, legitimidade e economicidade adotados, respeitando-se, assim, o estabelecido no artigo 70 da Carta Magna.
Hodiernamente, os mecanismos de produção mundial têm utilizado de forma irracional os recursos naturais, conduzindo à exaustão elementos indispensáveis à manutenção da vida no planeta, de modo a gerar baixa qualidade da vida humana. Isso vem despertando debates sobre a questões socioambientais, uma vez que o crescimento econômico, da forma como vem sendo realizado, tem se contraposto à ordem natural da vida ecológica.
Tal problemática não pode ser resolvida com uma única solução, exigindo-se, para tanto, a adoção de um complexo de agentes e ações que, em conjunto, venham a reduzir os impactos ambientais perpetrados pela forma atual de produção, que mantém o modelo econômico vigente.
Essa preocupação ambiental, no âmbito internacional, teve início na Conferência de Estocolmo (1972) e ganhou destaque na Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92), na qual houve a proposição da sustentabilidade como uma diretriz para a mudança de rumo no desenvolvimento, com a aprovação da Agenda 21. Em seguida, no evento preparatório da Rio+20, foi criado um grupo de estudos pela UNEP (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) para tratar de governança, justiça e leis de sustentabilidade – à época conduzido pelo grande ambientalista e Ministro Do STJ Herman Benjamin – do qual tive a oportunidade de participar como representante da Corte de Contas do Amazonas.
Apesar da relevância do tema, durante bastante tempo, os Tribunais de Contas ainda não haviam se atentado a essa realidade, qual seja, o de fazer controle ambiental preventivo e exigir o cumprimento do regramento constitucional e infraconstitucional. Porém, desde 2010, o Tribunal de Contas do Estado do Amazonas (TCE-AM), ao fazer uma espécie de “mea culpa”, passou a incluir entre os seus escopos de atuação, medidas de controle ambiental, que atualmente são reconhecidas, inclusive internacionalmente, como parte das práticas e acompanhamentos de políticas públicas para proteção do nosso ecossistema.
No Brasil, a política desenvolvimentista teve início a partir da década de 1950, abrangendo os setores público e privado. A adoção dessa modalidade política econômica, embora tenha sido útil para dinamizar a economia, também produziu efeitos degradantes ao meio ambiente, causando vulnerabilidade social. Com a importante competência da ação de ofício, característica das nossas práticas, ofato de não precisarmos ser provocados para agir, coloca-nos num patamar mais resolutivo, visto que as ações deletérias, podem causar prejuízos irreversíveis. Portanto, a perspectiva de ação dos Tribunais de Contas reside no RISCO e não no DANO, sendo este, quando consumado, o prejuízo fica perenizado. No caso da competência do Judiciário, os eventos danosos ao meio ambiente, dependerá sempre de uma Ação Civil Pública, proposta pelo Ministério Público, ou de uma Ação Popular, proposta pelo cidadão. Aí reside a diferença da cereja no bolo. Seguir os ditames constitucionais de que todos temos direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, para nossa sadia qualidade de vida e a consciência de que o poder público e da coletividade, têm o dever de defendê-lo e preservá-lo, como fim garantir a vida das presentes e futuras gerações, torna-se mais do que uma necessidade, uma verdadeira obsessão, visando o equilíbrio necessário para a vida na terra. Com essa visão/missão, os Tribunais de Contas crescerão e cumprirão, verdadeiramente, o seu dever.